top of page

Esclarecer sobre a leitura não literal da Bíblia e dos textos sagrados

A formação religiosa precoce constitui um obstáculo para a formação de uma mentalidade científica já que existe uma incompatibilidade metafísica, doutrinária, metodológica e atitudinal entre a religião e a ciência (MAHNER e BUNGE, 1996). Agora alguns outros pesquisadores discordam como Settle (1996) e Lacey (1996) que propõe a possibilidade de diálogo.

Mahner e Bunge (1996) esclarece que o grau de incompatibilidade doutrinária entre religião e ciência varia de acordo com o grau de interpretação literal das doutrinas religiosas.

Os fundamentalismos americanos, que são os fundadores da linha criacionista, entendem o livro de Genesis como uma versão exata da criação e o interessante é que o protestantismo europeu entende como metáfora e, portanto acredita na teoria da evolução biológica (MILLER; SCOTT e OKAMOTO, 2006).

Santo Agostinho relatou que a cristandade não pode ser escrava da interpretação literal do texto mosaico, uma vez que “aquelas histórias” haviam sido escritas para povos nômades, primitivos e não para cidadãos sofisticados do Império Romano, devendo aceitar a interpretação alegórica e não literal (RUSE, 2006).

 

A própria Igreja Católica na Figura do Papa João Paulo II defendeu a evolução do homem a partir de outras espécies primatas, reservando a intervenção Divina para a criação da alma humana (SCOTT, 2004). O pronunciamento Papal foi feito em 1996 que relatou:

“hoje, quase meio século após a publicação da encíclica [refere-se, aqui, à encíclica escrita por Pio XII, seu predecessor, na qual defende que a evolução biológica não tinha sido, ainda, comprovada], novas informações levam ao reconhecimento da teoria da evolução como algo mais do que uma hipótese” (GOULD, 2002).   

A repercussão sobre este fato foi muito grande levando a evolução biológica de novo ao centro da atenção como na época de Darwin.

Em 27 de maio de 1998 o Papa João Paulo II declarou também “a evolução é compatível com o cristianismo – embora qualquer afirmação de que o espírito possa emergir da matéria viva seja incompatível com a verdade sobre o homem” (ZIMMER, 2004).

Diante disto entende-se que a questão da criação dentro do catolicismo é bem esclarecida, não tendo conflitos aparentes com a ciência, isto porque a evolução é vista como processo e não como um fato inicial. Então a criação relatada na Bíblia não é entendida no sentido literal, se distanciando de alguns conceitos mais fundamentalistas apresentados em outros grupos cristãos. O catolicismo possui um olhar simbólico diante dos textos sagrados instruindo a leitura e reinterpretação não no sentido literal, mas com interação com os contextos de mundo (SUSIN, 2003). Madeira (2007) em sua pesquisa encontrou uma forte aceitação da evolução biológica em alunos católicos, ou seja, não encontrou embates.

O aluno pode ser esclarecido que os sete dias de criação escrito no livro da Genesis deve ser entendido como uma metáfora, ou seja, não são sete dias de 24 horas que o mundo foi criado, poderiam ser períodos ou etapas, etc. Segundo Stannard (1996) em sua obra “Ciência e Religião” relata que os indivíduos que escreveram o livro de Genesis não eram ignorantes, pois sabiam que como não existia o sol, portanto não poderia existir literalmente “dias” e assim quando as pessoas acreditam literalmente neste argumento é porque não refletiram adequadamente sobre tal.  

A noção de que os textos do Genesis não deveriam ser interpretados literalmente como verdadeiros não é nova, ela pode ser encontrada em tempos antigos como na afirmação de Gregório de Nissa nascido no ano de 335: “Que homem sensato acreditaria que possa ter havido um primeiro, e um segundo, e um terceiro dia de criação, cada qual com uma manhã e uma noite, antes do sol ter sido criado?” (STANNARD, 1996). Ainda segundo STANNARD (1996) Santo Agostinho no século IV ou V disse “No começo foram criados apenas os germes ou causas das formas de vida, que posteriormente se desenvolveram de modo gradual”. Isto reflete claramente uma ideia evolutiva de mudança, lembrando que Santo Agostinho era um grande escolástico cristão.

O professor deve ensinar o aspecto polissêmico da palavra, autorizando a possibilidade de múltiplas interpretações do texto bíblico, como já mencionado a própria Igreja inicial aceitava esta visão e segundo Stannard (1996) a Bíblia deve ser reinterpretada a cada nova geração, pois não se pode aprender ciência com a Biblia.

Em algumas religiões estes textos bíblicos e sagrados assumem um único saber, ou seja, tudo ou nada, já que no entendimento destas religiões se uma parte do texto é possível de ter várias interpretações, concluísse então, que todo o texto poderia ser discutido, o que para estas visões é inconcebível. 

No processo de educação não existe “tudo ou nada” e posições intermediárias sobre a compreensão de evolução biológica deve ser vistas como uma abertura de um espaço entre as visões de mundo do aluno, principalmente aqueles de formação religiosa precoce e fundamentalista. Um aluno com concepções religiosas fortes provavelmente fruto de conhecimento religioso precoce e protestante fundamentalista, necessita de uma estratégia no campo da cordialidade deixando que o mesmo relate as suas concepções prévias dentro de um ambiente ético e harmonioso.

Elaborado por Sérgio Chumbinho na Dissertação de Mestrado em Ensino de Ciências da PUC-MG

bottom of page